"Uma língua é o lugar donde se vê o mundo e de ser nela pensamento e sensibilidade. Da minha língua vê-se o mar. Na minha língua ouve-se o seu rumor como na de outros se ouvirá o da floresta ou o silêncio do deserto."
Vergílio Ferreira
Amor é um fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói, e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer.
É um não querer mais que bem querer;
É um andar solitário entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É um cuidar que ganha em se perder;
É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata, lealdade.
Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?
Última flor do Lácio, inculta e bela, És, a um tempo, esplendor e
sepultura: Ouro nativo, que na ganga
impura A bruta mina entre os
cascalhos vela Amo-te assim, desconhecida
e obscura Tuba de algo clangor, lira
singela, Que tens o trom e o silvo
da procela, E o arrolo da saudade e da
ternura! Amo o teu viço agreste e o
teu aroma De virgens selvas e de
oceano largo! Amo-te, ó rude e doloroso
idioma, Em que da voz materna ouvi:
"meu filho!", E em que Camões chorou, no
exílio amargo, O gênio sem ventura e o
amor sem brilho!
A era que atravessamos neste momento é marcada,
sobretudo, pela ignorância do passado, seja ele cultural ou histórico. A
indiferença perante aquilo que nos precedeu é um defeito grave da geração que
agora se forma. Um dos problemas sobre o qual tive a oportunidade de refletir,
quando me foi apresentado o tema deste projeto, foi a língua. O nosso maior
bilhete de identidade, a língua por que lutámos durante séculos com a marca das
nossas raízes e que agora se fragiliza sob o olhar apreensivo dos que a conheceram na sua
forma mais perfeita.
Hoje em dia, os jovens parecem mostrar uma profunda
admiração por aquilo que há lá fora. O mundo é um mar de oportunidades e tudo é
belo, exceto a língua em que cresceram e em que aprenderam a falar. Cada vez
mais se observa um multiculturalismo, mesmo dentro de cada indivíduo, o que, não
sendo necessariamente uma coisa negativa, é algo que devemos sempre ter em
atenção. É uma evolução que está a roubar à nossa língua aquilo que tinha de nosso.
É claro que todos nós devemos compreender que uma língua,
um idioma foi feito para evoluir, mudar, ajudar a criar uma identidade nacional
que se funde com a existência internacional e que, por ser língua viva, está
sempre em constante mudança. Durante os últimos séculos, fomos donos do nosso
ser e, na atualidade, os estrangeirismos exagerados vieram alterar a nossa
condição de portugueses. Eu nasci neste Portugal que é tão nosso quando foi, sou
portuguesa e falo português, mas já não reconheço a língua que consegue
explicar o que é a saudade. Esta
língua já não é minha, se durante tanto tempo os poetas escreveram coleccionar, percepcionar e assumpções, e
agora nos vemos obrigados a falar de coleções, perceções e assunções, como se
um tempo incontável de uma língua estivesse errado, como se outro país nos
desse uma identidade que nós próprios lhe demos há tanto tempo atrás.
Depois de tudo isto, entristece-me saber que as próximas
gerações não conhecerão a língua dos poetas, a língua desconhecida de um mundo
amplo que nunca a chegou a compreender como nós portugueses e que, ainda assim,
se sente na obrigação de a tornar noutra. Quanto custarão 200 anos à língua
portuguesa? Quem sabe como será o português?… Será português sequer?
Se quiseres fazer azul,
pega num pedaço de céu e mete-o numa panela grande,
que possas levar ao lume do horizonte;
depois mexe o azul com um resto de vermelho da madrugada,
até que ele se desfaça;
despeja tudo num bacio bem limpo,
para que nada reste das impurezas da tarde.
Por fim, peneira um resto de ouro da areiado meio-dia,
até que a cor pegue ao fundo de metal.
Se quiseres, para que as cores se não desprendam com o tempo,
deita no líquido um caroço de pêssego queimado.
Vê-lo-ás desfazer-se, sem deixar sinais de que alguma vez ali o puseste;
e nem o negro da cinza deixará um resto de ocre na superfície dourada.
Podes, então, levantar a cor até à altura dos olhos,
e compará-la com o azul autêntico.
Ambas as cores te parecerão semelhantes,
sem que possas distinguir entre uma e outra.
Assim o fiz – eu, Abraão ben Judá Ibn Haim,iluminador de Loulé – e deixei a
receita a quem quiser
algum dia, imitar o céu.
"A cadeia de televisão norte-americana CNN elegeu ontem Lisboa como a cidade mais cool da Europa. A atmosfera, o clima, a gastronomia e a vida noturna fazem de Lisboa um ponto de visita obrigatório, na opinião da jornalista Fiona Dunlop, em reportagem para a CNN."
Os estrangeirismos estão aí às mãos cheias, com livre trânsito na Língua Portuguesa. Podemos gostar ou não. Todavia, no mundo global e plural em que vivemos, os estrangeirismos entram no Português com toda a força, como uma marca de um produto a absorver por completo os sentidos. Lisboa foi considerada a cidade mais "cool" da Europa. "Cool" parece entrar no nosso ouvido a dizer: Lisboa tem muito estilo! Neste caso, é mesmo um estrangeirismo. A língua portuguesa oferece-nos muitas possibilidades para exprimir a ideia de "cool" e, como tal, não precisamos desta palavra. Na gramática atual, sempre que utilizamos uma palavra de outra língua para nomear algo e a adotamos, chamamos-lhe empréstimo. "Cool" não chegou a imigrar. Lisboa é mesmo linda e é uma cidade espetacular, onde tudo tem um aroma especial!
Uma deusa na bruma é uma leitura mágica, tal como a história que nos conta. Apaixonado pelas raízes celtas do povo português, João Aguiar deixou-nos esta obra magnífica que reconstitui o imaginário celta, a sua organização social e política, as suas tradições e crenças, não esquecendo uma belíssima história de amor que nos mantém presos à leitura até ao fim, como se de uma viagem poética ao mundo celta se tratasse.
Na atualidade, a palavra lusofonia é um termo de conhecimento obrigatório para qualquer falante de língua portuguesa, independentemente da sua naturalidade. Mas como terá surgido esta palavra? Ter nascido em Portugal vincula o cidadão português à sua lusitanidade, dado que é herdeiro da cultura da Lusitânia, antiga região situada entre os rios Douro e Tejo e de onde se terão destacado ilustres guerreiros, na luta contras os romanos, sendo Viriato o guerreiro celta mais célebre, que honra a galeria de guerreiros das terras de Portugal. A palavra Lusitânia deriva de Luso ou lusitano, aquele que fazia parte das tribos guerreiras que habitaram as regiões da Lusitânia e da Estremadura, antigas províncias romanas. As palavras luso e lusitano são frequentemente usadas como sinónimos, quando alguém pretende referir-se aos portugueses e às suas raízes culturais. Por sua vez, a palavra Lusitânia terá inspirado o grande poeta português Luís Vaz de Camões na criação da sua obra ímpar Os Lusíadas, título que associa ao povo da Lusitânia o heroísmo épico que outras obras dedicaram a guerreiros gregos e romanos, como a Odisseia e a Ilíada de Homero e a Eneida de Virgílio.
Segundo o imaginário lendário, inspirado na mitologia romana, Luso, filho de Baco, terá fundado a Lusitânia e é considerado o progenitor do povo lusitano. Esta lenda contribuiria assim para exaltar as raízes lendárias do povo português n' Os Lusíadas. A valorização desta lenda terá ainda contribuído, em algumas épocas históricas, para o esquecimento dos antepassados dos portugueses anteriores aos romanos, nomeadamente os celtas, os quais deixaram muitas marcas da sua cultura no território português.
Castro de Romariz, ruínas de povoação celta, no distrito de Aveiro
Ponte celta em Castro Laboreiro
Com a expansão marítima, a cultura, a religião e a língua portuguesa expandiram-se pelo mundo. A palavra Luso estará na base de formação da palavra lusofonia, para nos referirmos a esses traços culturais e linguísticos que unem os falantes da língua portuguesa por todo o mundo.
Procurámos o significado de lusofonia no Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea e encontrámos três aceções:
Lusofonia - s. f. (De lusófono + suf. -ia). 1. Qualidade de ser português, de falar português; o que é próprio da língua e cultura portuguesas. 2. Comunidade formada pelos países e povos que têm o português como língua materna ou oficial. 3. Difusão da língua portuguesa no mundo.
in Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea. Academia
das Ciências de Lisboa. Editora Verbo.2001
Podemos assim concluir que os países de língua oficial portuguesa são países lusófonos, porque unidos por traços culturais e linguísticos comuns e que é a língua o principal fator de união, a lusofonia.
E o que pensarão muitos falantes da Língua Portuguesa sobre lusofonia?
Fernão Lopes exerceu o alto cargo que lhe foi atribuído por D. João I, nos inícios do século XIV, no Arquivo Geral do Reino, situado numa das torres do Castelo de São Jorge em Lisboa, na chamada Torre do Tombo. Curiosamente, a palavra tombo deriva do grego, tómos, que designa um pedaço de papiro e que hoje significa volume de um livro. Em 1755, devido ao terramoto que destruiu grande parte de Lisboa, o arquivo foi transferido para o Mosteiro de São Bento, atual Palácio de São Bento. Só em 1990 o arquivo viria a merecer um edifício construído de raiz.
Hoje, a Torre do Tombo é um
edifício moderno, integrado na Direção Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas, localizado na Cidade Universitária, onde continuam a ser guardados todos os documentos do Estado Português. Com um espólio riquíssimo, a Torre do Tombo apresenta uma Biblioteca-arquivo, onde investigadores encontram a documentação mais importante de toda a historiografia de Portugal. Na Torre do Tombo são também promovidas exposições temáticas que possibilitam a observação de documentos autênticos da História de Portugal.
Fernão Lopesfoi um
cronista-historiador do século XIV, que terá nascido em Lisboa entre 1380 e
1390, data início de uma das épocas mais importantes da história de Portugal
que conduziria à crise de 1383-1385 e terá falecido em 1460. Escrivão de D.
João I, foi nomeado guarda-mor das escrituras da Torre do Tombo, cargo que
desempenhou também nos reinados seguintes de D. Duarte, D. Pedro e de D. Afonso
V. Os documentos mais antigos, onde consta a sua assinatura, datam de 1418. Em
1419 o Infante D. Duarte incumbe-lhe a tarefa de pôr em livro a história dos
sete primeiros reis de Portugal. No prólogo da crónica dedicada a D. Pedro I podemos compreender o seu pensamento sobre o poder temporal, revelando preocupações com o exercício da justiça: "estabelecido por serem os maus castigados e os bons viverem em paz".
A sua principal obra foi a crónica de D. João
I, onde o cronista descreve com grande vivacidade e fervor as movimentações do
povo em defesa de Lisboa, na altura do cerco por parte dos Castelhanos. Na
crónica de D. João I podemos perceber a tese da soberania inicial do
povo, que expressa o direito que lhe assiste de avocar a soberania, uma vez
quebrada a linha de sucessão direta, como veio a suceder com a morte do rei D.
Fernando e com a eleição do mestre de Avis.
As suas crónicas, para além de constituírem documentos autênticos sobre factos históricos, revelam um trabalho linguístico que foi determinante no desenvolvimento da Língua Portuguesa, em termos lexicais, sintáticos e semânticos. Graças à pena de Fernão Lopes, o Português escrito pode evoluir, encontrar novas formas de dizer por escrito que enriqueceram e contribuíram para a consolidação de uma gramática da Língua Portuguesa.
Os seus méritos no
desempenho do cargo de Guarda-Mor da Torre do Tombo mereceram o reconhecimento de
D. Duarte que o distinguiu com uma tença de 14.000 réis anuais e carta de
nobreza. É já em idade avançada que é substituído por Gomes Eanes de Zurara no
cargo que o ligou para sempre aos construtores da Língua Portuguesa e à Torre
do Tombo.
E da sua história de
vida retiramos, pelo menos, um ensinamento:
Para
progredirmos, só temos dois caminhos: ou o esforço, ou o esforço.
A Universidade de Coimbra, sob o lema de “símbolo de uma cultura que teve impacto na humanidade", foi classificada pela UNESCO, no dia 22 de Junho de 2013, Património Mundial da Humanidade. Fundada em 1290 pelo rei D. Dinis, nela se iniciaram em Portugal os primeiros estudos em Artes, Leis, Cânones e Medicina, oferecendo às classes privilegiadas, os estudos necessários para o desenvolvimento do país. Hoje, organizada em oito faculdades, a Universidade de Coimbra oferece todos os graus académicos (arquitetura, educação, engenharia, humanidades, direito, matemática, medicina, ciências naturais, psicologia, ciências sociais e desporto).
Na década de 6o do século XIX, a Universidade de Coimbra foi palco de controvérsias ideológicas, que colocaram em confronto o velho Portugal com as ideias novas que se faziam sentir pela Europa moderna e que viriam a contribuir para o debate sobre o Ensino e a Educação em Portugal, nas célebres conferências do Casino em Lisboa. Eça de Queirós, Antero de Quental e Ramalho Ortigão foram algumas das figuras que se destacaram nesta polémica, que acabou por ser silenciada, com o encerramento das conferências por ordem do poder real.
Célebre pelas tradições académicas, na Universidade de Coimbra se desenvolveram as primeiras Tunas, que remontam a 1888, por onde têm passado vozes e músicos célebres como José Afonso, Artur Paredes e Luís Goes. Estes agrupamentos musicais que se distinguem pela guitarra e pelo canto divulgam o espírito da cidade de Coimbra que é fortemente marcado pela saudade.
Da Universidade de Coimbra faz parte a Biblioteca Joanina, construída no século XVIII, sobre um espaço prisão que foi cárcere do Paço Real, sendo considerada “o casamento perfeito entre o saber e a arte”, segundo Carlos Fiolhais.
Situada no Palácio das Escolas da Universidade de Coimbra, no pátio da Faculdade de Direito, a Biblioteca Joanina foi construída sob a égide do rei D. João V, em 1717, que também mandou erigir o Convento de Mafra, monumento que também integra uma imponente biblioteca, não poupando meios para nelas concentrar todo o esplendor da arte barroca. Um espaço riquíssimo, decorado a ouro, onde os morcegos encontram alimento e ajudam a conservar a memória dos autores antigos que são os livros.
D. Dinis já nos mereceu um post com um conto da autoria da Joana Felício, no entanto, o carisma deste rei merece que o destaquemos nesta rubrica que criámos, para lembrar personalidades da nossa cultura que tiveram um contributo relevante para o desenvolvimento da Língua Portuguesa.
D. DINIS
Na noite escreve um seu Cantar de Amigo
O plantador de naus a haver,
E ouve um silêncio múrmuro consigo:
É o rumor dos pinhais que, como um trigo
De Império, ondulam sem se poder ver.
Arroio, esse cantar, jovem e puro,
Busca o oceano por achar;
E a fala dos pinhais, marulho obscuro,
É o som presente desse mar futuro,
É a voz da terra ansiando pelo mar.
in Mensagem de Fernando Pessoa
D. Dinis (1261-1325) é uma figura ímpar na História de Portugal. Com o cognome de O Lavrador, foi o sexto rei na lista dos reis de Portugal que se destacou não apenas porque foi rei, mas pela sua ação empenhada no desenvolvimento de país, numa altura em que muito havia ainda a fazer para consolidar a nacionalidade portuguesa. Num tempo em que a Língua dominante era o Galego-português, D. Dinis instituiu a Língua Portuguesa como Língua oficial da corte e criou, em 1290, a primeira Universidade em Portugal, reconhecida como uma das mais antigas do mundo, a Universidade de Coimbra. O gosto pela cultura fez também de D. Dinis um poeta exímio na arte de trovar, tendo legado como herança ao seu povo um valor inestimável em poesia que se encontra hoje guardada nos célebres Cancioneiros. Sem D. Dinis, a Literatura Portuguesa seria bem mais pobre e a arte de trovar não seria a mesma, ainda que sejam muitos os autores de poesia Galego-portuguesa de origem portuguesa. Mas D. Dinis era um rei que teria uma visão do mundo que ia muito para além dos salões do seu palácio. Amante da Natureza, cantou o amor nas várias tonalidades, em versos de amor e de amigo, num diálogo ritmado pelos apelos da Natureza. Na época, D. Dinis teria oportunidade de apreciar belíssimas paisagens naturais, uma vez que as autoestradas, as cidades, os outlet e as fábricas ainda não haviam destruído a floresta e a fauna no território português. Por outro lado, valorizou o conhecimento ao inaugurar a primeira Universidade, com os Estudos Gerais. Mas a ação deste rei não ficou por aqui. Visionário e de espírito empreendedor, ficou também célebre por ter mandado plantar o pinhal de Leiria, com a finalidade de proteger as dunas e de impedir a destruição de terrenos agrícolas. Os benefícios da plantação deste pinhal projetaram-se ao longo dos tempos, contribuindo para que Leiria crescesse em indústrias (naval, metalúrgica, vidreira, construção civil). Nos séculos XIV, XV e XVI o pinhal de Leiria forneceu a madeira necessária à construção das caravelas que permitiram a Portugal o pioneirismo na aventura marítima. Talvez já com uma antevisão do futuro, fundou a Marinha Portuguesa e mandou construir várias docas.
A sua ação expandiu-se ainda no fomento de medidas político-económicas e militares que contribuíram para fortalecer Portugal aos olhos do mundo. Libertou as Ordens Militares de influências estrangeiras e ordenou a exploração de minas de cobre, prata, estanho e ferro e incentivou a exportação de produtos.
D. Dinis, rei de Portugal e dos Algarves, o homem que casou com a rainha que, na boca do povo, ficou conhecida como santa, a rainha Santa Isabel que nos deu também o Milagre das Rosas! Fernando Pessoa, na sua obra Mensagem, viu em D. Dinis o poeta visionário, empreendedor de futuros, no poema que transcrevemos em cima, e Luís de Camões destacou também este grande rei pela sua ação de valorização da pátria, nos planos político e cultural.
96
Eis depois vem Dinis, que bem parece
Do bravo Afonso estirpe nobre e dina,
Com quem a fama grande se escurece
Da liberalidade Alexandrina.
Com este o Reino próspero floresce
(Alcançada já a paz áurea divina)
Em constituições, leis e costumes,
Na terra já tranquila claros lumes.
97
Fez primeiro em Coimbra exercitar-se
O valeroso ofício de Minerva;
E de Helicona as Musas fez passar-se
A pisar do Monde-o a fértil erva.
Quanto pode de Atenas desejar-se,
Tudo o soberbo Apolo aqui reserva.
Aqui as capelas dá tecidas de ouro,
Do bácaro e do sempre verde louro.
98
Nobres vilas de novo edificou
Fortalezas, castelos mui seguros,
E quase o Reino todo reformou
Com edifícios grandes, e altos muros.
Mas depois que a dura Átropos cortou
O fio de seus dias já maduros,
Ficou-lhe o filho pouco obediente,
Quarto Afonso, mas forte e excelente.
Os Lusíadas. canto III. Luís Vaz de Camões
Cantiga de amigo interpretada por José Mário Branco, da autoria de D. Dinis,
"Longe de ti estou mais perto de ti - meu querido Sebastião, vamos mesmo ter de viver separados. Porque eu sou daqui, do Brasil - sou deste odor violento a floresta e mar, desta melancolia urbana excessivamente quente e perigosa, desta língua portuguesa lenta e lúbrica, deste baile de gerúndios mergulhado nos compassos do presente. O Brasil é o hoje vertical: todas as misérias do passado e as esperanças do futuro se aglutinam na experiência do momento presente. Eu sou desta mestiçagem mais potente do que toda a História, tu és da História, com princípio meio e fim.
Eu não quero viajar mais, não posso viajar mais - tudo o que tenho para ver está dentro de mim."
in Eternidade e Desejo, de Inês Pedrosa
Clara é a protagonista e a narradora deste romance de Inês Pedrosa, que, nos primórdios do século XXI, desiludida com o contexto social e político do seu país e marcada pela experiência de um amor frustrado e que a conduzira à cegueira, descobre nas palavras de Vieira o apelo e o rastilho para a compreensão de si, o que a levará ao Brasil, espaço onde a narradora encontra a libertação de tudo o que a atormentava no seu país. No Brasil conhece mais de perto não só a obra de Vieira que vai lembrando e comentando, como se as palavras de Vieira tivessem sido escritas para o futuro, como também vive a experiência do amor como uma catarse que lhe permite livrar-se dos males que parecem endemia no seu país. Sebastião, a personagem a quem se dirige num tom confessionalista e com quem troca correspondência, está ligado ao passado e ao espaço de que Clara se quer libertar. Para Clara, Portugal parece ser um país onde o amor é impossível, porque a matéria de que ele é feito, como escreveu Camões, faz parte do adiado: "E o vivo e puro amor de que sou feito / Como a matéria simples buca a forma." (Camões, in Sonetos)
«um país que tem à sua disposição um criador como Vieira devia proteger a língua em que ele escreveu e divulgá-lo mais junto dos seus»
Francisco José Viegas in Correio da Manhã de 06.02.2013
Filho
peninsular e tropical De
Inácio de Loiola, Aluno
do Bandarra E
mestre De Fernando Pessoa, No
Quinto Império que sonhou, sonhava
O
homem lusitano
À
medida do mundo.
E
foi ele o primeiro.
Original
No
seu ser universal...
Misto
de génio, mago e aventureiro.
Miguel Torga
Pessoa chamou-lhe o Imperador da Língua Portuguesa. Nasceu em Lisboa, a 6 de fevereiro de 1608, e faleceu na Baía, a 18 de julho de 1697. Aos 15 anos, já na Baía, sente o apelo da vocação e entra no Colégio dos Jesuítas, onde cumpre estudos e se torna missionário. A sua biografia revela um lutador incansável pelos direitos humanos, tendo-se destacado na sua ação junto da Corte de D. João IV, enquanto pregador régio e defensor do fim da escravatura, exercida pelos colonos, aos ameríndios. Em nome da libertação dos índios e contra os colonizadores europeus no Brasil, encetou várias viagens pela Europa, sempre apoiado pelo rei D. João IV.
Ficou famosa também a sua luta pelo fim da distinção entre cristão novos e cristãos velhos e a sua proposta ao rei para que incentivasse os judeus abastados e foragidos a regressarem ao país, para que ajudassem a balança portuguesa com as suas divisas. A sua luta valeu-lhe a crescimento de ódios, sobretudo no seio da igreja, o que viria a contribuir para a sua detenção, pela Santa Inquisição, após a morte do rei amigo, D. João IV, em Dezembro de 1667. Libertado em 1668, parte para Roma, onde continua a lutar contra as injustiças do Santo Ofício. Regressa a Portugal em 1681 e escolhe o Brasil para terminar a sua vida, organizando a sua vasta obra escrita. Os seus sermões encheram igrejas, nomeadamente a igreja de São Roque, em Lisboa. Em segredo, salvaguardando-se das teias da Inquisição, escreve um livro onde expõe o seu grande sonho, o sonho do Quinto Império, inspirado nas trovas de Bandarra, e que virá a ser retomado por Fernando Pessoa na sua obra Mensagem.
Fechou os olhos e absorveu os
sons, os cheiros e os sabores que decoravam o salão. A mesa à sua frente,
coberta de todas as comidas, era rodeada pelos seus amigos, a sua nobreza e, ao
seu lado, a mais bela das rainhas, a tez pura e o espírito limpo, emanando uma
aura de felicidade e amor com cheiro a rosas. Pela janela, conseguia ouvir o outono a passar,
voando com as flores que fugiam da terra que as prendia. Sobrevoariam juntos os
mares e retornariam a Portugal com as novas do mundo.
Entrou então um homem alto,
acompanhado de um rapazinho saltitante e expectante, com uma viola na mão, jovem
e firme. Instalaram-se no centro da sala, virados para o Rei, e, durante um
minuto, nenhum outro som se fez ouvir à canção que se juntava à melodia tocada
pela viola do rapaz, uma tapeçaria uniforme e elegante que ninguém se atrevia a
difamar:
-Ai flores, ai flores do verde pino,
se sabedes novas do meu amigo!
Ai Deus, e u é?
Ai, flores, ai flores do verde ramo,
se sabedes novas do meu amado!
Ai Deus, e u é?
Se sabedes novas do meu amigo,
aquel que mentiu do que pos comigo!
Ai Deus, e u é?
Se sabedes novas do meu amado
aquel que mentiu do que mi ha jurado!
Ai Deus, e u é?
-Vós me preguntades polo voss'amigo,
e eu ben vos digo que é san'e vivo.
Ai Deus, e u é?
Vós me preguntades polo voss'amado,
e eu ben vos digo que é viv'e sano.
Ai Deus, e u é?
E eu ben vos digo que é san'e vivo
e seerá vosc'ant'o prazo saído.
Ai Deus, e u é?
E eu ben vos digo que é viv'e sano
e seerá vosc'ant'o prazo passado.
Ai Deus, e u é?
Conseguia
ver as imagens que se desenrolavam na sua mente, a bela rapariga que perguntava
às flores pelo seu amigo, o amor que a rodeava, as cores que pintariam aquele
quadro, se alguma vez fosse posto numa tela.
Foi
assim que, imaginando aquele momento, imaginou as suas próximas canções.
Intérprete: Barahúnda; Canto: Helena de Alfonso (2002, Madrid)
Um dicionário recentíssimo, que veio preencher um espaço importante para o estudo da Língua Portuguesa, da autoria de José Adalberto Coelho Alves, poeta, jurista e arabista, com inúmeras publicações nestas áreas. As entradas deste dicionário são de palavras portuguesas com étimos Árabes e inclui léxico corrente e empréstimos semânticos, toponímia e antroponímia.
O legado de influência Árabe na cultura portuguesa é riquíssimo, apesar de tantas vezes ignorado. Um povo muito evoluído para a época, os Árabes trouxeram com eles conhecimentos muito desenvolvidos relativos às ciências, à astronomia, à aritmética, à agricultura, à alimentação e à arquitetura. Muitas palavras da toponímia portuguesa iniciam por al- o que é um sinal da presença Árabe no território português. É curioso como os Árabes nos legaram apenas cerca de 500 palavras, aquando da sua invasão, no século VIII dC, e ainda hoje continuamos a utilizar a maior parte delas, como comenta o Professor Ivo de Castro, para além de outras curiosidades, no curto vídeo que aqui deixamos:
A Língua Portuguesa é importante, antes de mais, porque é através dela que exprimimos tudo o que pensamos, sentimos, sonhamos e é com ela que interagimos com os outros. Não nos conseguimos imaginar sem uma Língua para comunicar, pois ela está presente em tudo o que fazemos e somos e os gestos e os sons não chegariam nunca para nos revelarmos e partirmos à aventura em direção à Índia e à América como aconteceu no Renascimento. Cremos que é essa a ideia que Fernando Pessoa nos quis transmitir quando afirmou que "A minha pátria é a Língua Portuguesa".
Nuno Gonçalves (1470-1480), Painéis de São Vicente de Fora
Crescemos em Língua Portuguesa e fomos moldados em Língua Portuguesa e é pensando em Língua Portuguesa que desbravamos o mundo e aprendemos outras Línguas. Terá sido assim também que fomos construindo uma Língua com 800 anos de História, a História de Portugal, e que continua a crescer. No 9º Ano aprendemos que o Latim é a base da raiz da Língua Portuguesa. Porém, há muitas marcas linguísticas de outros povos que ilustram que falamos uma língua multicultural, na sua raiz e no processo de evolução, e multicontinental, porque é língua oficial em quatro Continentes e ensinada e falada em todos os Continentes. Ou os Celtiberos não teriam deixado vocabulários aos Romanos que invadiram e se fixaram na Península Ibérica no século II aC.? E os Romanos, influenciados pelos Gregos, não trariam, no seu vocabulário, tantas marcas do vocabulário Grego? E, depois dos Romanos, os povos Germânicos, no séc. V, e depois destes os Árabes, no século VIII? E, depois da formação de Portugal, tudo o que aprendemos com as trocas comerciais e culturais que se foram desenvolvendo com a Expansão Marítima? E as influências do vocabulário francês, que tomámos como moda no tempo de Eça de Queirós? E todo o vocabulário que continuamos a importar e a recriar e que reflete o mundo cada vez mais global em que vivemos, com palavras como domótica, portal da net, twitar, navegar no site ou email, sms, link, rap e muitas outras?
Vejamos alguns exemplos de vocabulário e suas raízes:
ibérico - abóbora, cama, manteiga;
céltico - camisa, cerveja, gato;
grego - guitarra, telescópio, telefone;
germânico - guerra, trégua, arauto;
árabe - alface, álcool, alaúde e tantas outras palavras iniciadas por al-;
castelhanismos - castanhola, caudilho, galã;
galicismos - chefe, hotel, abat-jour;
inglês - futebol, sanduiche, bife;
Italiano - adágio, serenata, piano;´
alemão - valsa, manequim, vermute.
Para saber mais sobre a História da Língua Portuguesa: