quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Histórias em Português: Ai flores, Ai flores...

por Joana Felício

 Fechou os olhos e absorveu os sons, os cheiros e os sabores que decoravam o salão. A mesa à sua frente, coberta de todas as comidas, era rodeada pelos seus amigos, a sua nobreza e, ao seu lado, a mais bela das rainhas, a tez pura e o espírito limpo, emanando uma aura de felicidade e amor com cheiro a rosas. Pela janela, conseguia ouvir o outono a passar, voando com as flores que fugiam da terra que as prendia. Sobrevoariam juntos os mares e retornariam a Portugal com as novas do mundo.
  Entrou então um homem alto, acompanhado de um rapazinho saltitante e expectante, com uma viola na mão, jovem e firme. Instalaram-se no centro da sala, virados para o Rei, e, durante um minuto, nenhum outro som se fez ouvir à canção que se juntava à melodia tocada pela viola do rapaz, uma tapeçaria uniforme e elegante que ninguém se atrevia a difamar:
-Ai flores, ai flores do verde pino,
se sabedes novas do meu amigo!
     Ai Deus, e u é?

Ai, flores, ai flores do verde ramo,
se sabedes novas do meu amado!
     Ai Deus, e u é?

Se sabedes novas do meu amigo,
aquel que mentiu do que pos comigo!
     Ai Deus, e u é?

Se sabedes novas do meu amado
aquel que mentiu do que mi ha jurado!
     Ai Deus, e u é?

-Vós me preguntades polo voss'amigo,
e eu ben vos digo que é san'e vivo.
     Ai Deus, e u é?

Vós me preguntades polo voss'amado,
e eu ben vos digo que é viv'e sano.
     Ai Deus, e u é?

E eu ben vos digo que é san'e vivo
e seerá vosc'ant'o prazo saído.
     Ai Deus, e u é?

E eu ben vos digo que é viv'e sano
e seerá vosc'ant'o prazo passado.
     Ai Deus, e u é?

  Conseguia ver as imagens que se desenrolavam na sua mente, a bela rapariga que perguntava às flores pelo seu amigo, o amor que a rodeava, as cores que pintariam aquele quadro, se alguma vez fosse posto numa tela.
  Foi assim que, imaginando aquele momento, imaginou as suas próximas canções.
 

 Intérprete: Barahúnda; Canto: Helena de Alfonso (2002, Madrid)

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