sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Construtores da Língua Portuguesa - D. Dinis

por Cláudia Simões
 
D. Dinis já nos mereceu um post com um conto da autoria da Joana Felício, no entanto, o carisma deste rei merece que o destaquemos nesta rubrica que criámos, para lembrar personalidades da nossa cultura que tiveram um contributo relevante para o desenvolvimento da Língua Portuguesa.
 
 
D. DINIS        
              
Na noite escreve um seu Cantar de Amigo
O plantador de naus a haver,
E ouve um silêncio múrmuro consigo:
É o rumor dos pinhais que, como um trigo
De Império, ondulam sem se poder ver.
                               
Arroio, esse cantar, jovem e puro,
Busca o oceano por achar;
E a fala dos pinhais, marulho obscuro,
É o som presente desse mar futuro,
É a voz da terra ansiando pelo mar.
 
in Mensagem de Fernando Pessoa
 
D. Dinis  (1261-1325) é uma figura ímpar na História de Portugal. Com o cognome de O Lavrador, foi o sexto rei na lista dos reis de Portugal que se destacou não apenas porque foi rei, mas pela sua ação empenhada no desenvolvimento de país, numa altura em que muito havia ainda a fazer para consolidar a nacionalidade portuguesa. Num tempo em que a Língua dominante era o Galego-português, D. Dinis instituiu a Língua Portuguesa como Língua oficial da corte e criou, em 1290, a primeira Universidade em Portugal, reconhecida como uma das mais antigas do mundo, a Universidade de Coimbra.

O gosto pela cultura fez também de D. Dinis um poeta exímio na arte de trovar, tendo legado como herança ao seu povo um valor inestimável em poesia que se encontra hoje guardada nos célebres Cancioneiros. Sem D. Dinis, a Literatura Portuguesa seria bem mais pobre e a arte de trovar não seria a mesma, ainda que sejam muitos os autores de poesia Galego-portuguesa de origem portuguesa. Mas D. Dinis era um rei que teria uma visão do mundo que ia muito para além dos salões do seu palácio. Amante da Natureza, cantou o amor nas várias tonalidades, em versos de amor e de amigo, num diálogo ritmado pelos apelos da Natureza. Na época, D. Dinis teria oportunidade de apreciar belíssimas paisagens naturais, uma vez que as autoestradas, as cidades, os outlet e as fábricas ainda não haviam destruído a floresta e a fauna no território português. Por outro lado, valorizou o conhecimento ao inaugurar a primeira Universidade, com os Estudos Gerais.

 Mas a ação deste rei não ficou por aqui. Visionário e de espírito empreendedor, ficou também célebre por ter mandado plantar o pinhal de Leiria, com a finalidade de proteger as dunas e de impedir a destruição de terrenos agrícolas. Os benefícios da plantação deste pinhal projetaram-se ao longo dos tempos, contribuindo para que Leiria crescesse em indústrias (naval, metalúrgica, vidreira, construção civil). Nos séculos XIV, XV e XVI o pinhal de Leiria forneceu a madeira necessária à construção das caravelas que permitiram a Portugal o pioneirismo na aventura marítima. Talvez já com uma antevisão do futuro, fundou a Marinha Portuguesa e mandou construir várias docas.

A sua ação expandiu-se ainda no fomento de medidas político-económicas e militares que contribuíram para fortalecer Portugal aos olhos do mundo. Libertou as Ordens Militares de influências estrangeiras e ordenou a exploração de minas de cobre, prata, estanho e ferro e incentivou a exportação de produtos.
D. Dinis, rei de Portugal e dos Algarves, o homem que casou com a rainha que, na boca do povo, ficou conhecida como santa, a rainha Santa Isabel que nos deu também o Milagre das Rosas! Fernando Pessoa, na sua obra Mensagem, viu em D. Dinis o poeta visionário, empreendedor de futuros, no poema que transcrevemos em cima, e Luís de Camões destacou também este grande rei pela sua ação de valorização da pátria, nos planos político e cultural.
 
 
 
96
Eis depois vem Dinis, que bem parece
Do bravo Afonso estirpe nobre e dina,
Com quem a fama grande se escurece
Da liberalidade Alexandrina.
Com este o Reino próspero floresce
(Alcançada já a paz áurea divina)
Em constituições, leis e costumes,
Na terra já tranquila claros lumes.

97
Fez primeiro em Coimbra exercitar-se
O valeroso ofício de Minerva;
E de Helicona as Musas fez passar-se
A pisar do Monde-o a fértil erva.
Quanto pode de Atenas desejar-se,
Tudo o soberbo Apolo aqui reserva.
Aqui as capelas dá tecidas de ouro,
Do bácaro e do sempre verde louro.

98
Nobres vilas de novo edificou
Fortalezas, castelos mui seguros,
E quase o Reino todo reformou
Com edifícios grandes, e altos muros.
Mas depois que a dura Átropos cortou
O fio de seus dias já maduros,
Ficou-lhe o filho pouco obediente,
Quarto Afonso, mas forte e excelente.
Os Lusíadas. canto III. Luís Vaz de Camões

Cantiga de amigo interpretada por José Mário Branco, da autoria de D. Dinis,
Levantou-s'a velida:
 

Fontes de consulta:
 
 

domingo, 12 de janeiro de 2014

Eternidade e Desejo de Inês Pedrosa

     "Longe de ti estou mais perto de ti - meu querido Sebastião, vamos mesmo ter de viver separados. Porque eu sou daqui, do Brasil - sou deste odor violento a floresta e mar, desta melancolia urbana excessivamente quente e perigosa, desta língua portuguesa lenta e lúbrica, deste baile de gerúndios mergulhado nos compassos do presente. O Brasil é o hoje vertical: todas as misérias do passado e as esperanças do futuro se aglutinam na experiência do momento presente. Eu sou desta mestiçagem mais potente do que toda a História, tu és da História, com princípio meio e fim.
      Eu não quero viajar mais, não posso viajar mais - tudo o que tenho para ver está dentro de mim."
in Eternidade e Desejo, de Inês Pedrosa


Clara é a protagonista e a narradora deste romance de Inês Pedrosa, que, nos primórdios do século XXI, desiludida com o contexto social e político do seu país e marcada pela experiência de um amor frustrado e que a conduzira à cegueira, descobre nas palavras de Vieira o apelo e o rastilho para a compreensão de si, o que a levará ao Brasil, espaço onde a narradora encontra a libertação de tudo o que a atormentava no seu país. No Brasil conhece mais de perto não só a obra de Vieira que vai lembrando e comentando, como se as palavras de Vieira tivessem sido escritas para o futuro, como também vive a experiência do amor como uma catarse que lhe permite livrar-se dos males que parecem endemia no seu país. Sebastião, a personagem a quem se dirige num tom confessionalista e com quem troca correspondência, está ligado ao passado e ao espaço de que Clara se quer libertar. Para Clara, Portugal parece ser um país onde o amor é impossível, porque a matéria de que ele é feito, como escreveu Camões, faz parte do adiado: "E o vivo e puro amor de que sou feito / Como a matéria simples buca a forma." (Camões, in Sonetos)