"Longe de ti estou mais perto de ti - meu querido Sebastião, vamos mesmo ter de viver separados. Porque eu sou daqui, do Brasil - sou deste odor violento a floresta e mar, desta melancolia urbana excessivamente quente e perigosa, desta língua portuguesa lenta e lúbrica, deste baile de gerúndios mergulhado nos compassos do presente. O Brasil é o hoje vertical: todas as misérias do passado e as esperanças do futuro se aglutinam na experiência do momento presente. Eu sou desta mestiçagem mais potente do que toda a História, tu és da História, com princípio meio e fim.
Eu não quero viajar mais, não posso viajar mais - tudo o que tenho para ver está dentro de mim."
in Eternidade e Desejo, de Inês Pedrosa
Clara é a protagonista e a narradora deste romance de Inês Pedrosa, que, nos primórdios do século XXI, desiludida com o contexto social e político do seu país e marcada pela experiência de um amor frustrado e que a conduzira à cegueira, descobre nas palavras de Vieira o apelo e o rastilho para a compreensão de si, o que a levará ao Brasil, espaço onde a narradora encontra a libertação de tudo o que a atormentava no seu país. No Brasil conhece mais de perto não só a obra de Vieira que vai lembrando e comentando, como se as palavras de Vieira tivessem sido escritas para o futuro, como também vive a experiência do amor como uma catarse que lhe permite livrar-se dos males que parecem endemia no seu país. Sebastião, a personagem a quem se dirige num tom confessionalista e com quem troca correspondência, está ligado ao passado e ao espaço de que Clara se quer libertar. Para Clara, Portugal parece ser um país onde o amor é impossível, porque a matéria de que ele é feito, como escreveu Camões, faz parte do adiado: "E o vivo e puro amor de que sou feito / Como a matéria simples buca a forma." (Camões, in Sonetos)
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