quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Amor é...

Amor é um fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói, e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
É um andar solitário entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É um cuidar que ganha em se perder;

É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata, lealdade.

 Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?
 
Luís Vaz de Camões, in "Sonetos"

Língua Portuguesa

 Última flor do Lácio, inculta e bela,
 És, a um tempo, esplendor e sepultura:
 Ouro nativo, que na ganga impura
 A bruta mina entre os cascalhos vela
 Amo-te assim, desconhecida e obscura
 Tuba de algo clangor, lira singela,
 Que tens o trom e o silvo da procela,
 E o arrolo da saudade e da ternura!
 Amo o teu viço agreste e o teu aroma
 De virgens selvas e de oceano largo!
 Amo-te, ó rude e doloroso idioma,
 Em que da voz materna ouvi: "meu filho!",
 E em que Camões chorou, no exílio amargo,
 O gênio sem ventura e o amor sem brilho!
 
Olavo Bilac, in "Poesias"

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Como será a língua portuguesa nos próximos 200 anos?

por Joana Felício

 A era que atravessamos neste momento é marcada, sobretudo, pela ignorância do passado, seja ele cultural ou histórico. A indiferença perante aquilo que nos precedeu é um defeito grave da geração que agora se forma. Um dos problemas sobre o qual tive a oportunidade de refletir, quando me foi apresentado o tema deste projeto, foi a língua. O nosso maior bilhete de identidade, a língua por que lutámos durante séculos com a marca das nossas raízes e que agora se fragiliza sob o olhar apreensivo dos que a conheceram na sua forma mais perfeita.
 
Hoje em dia, os jovens parecem mostrar uma profunda admiração por aquilo que há lá fora. O mundo é um mar de oportunidades e tudo é belo, exceto a língua em que cresceram e em que aprenderam a falar. Cada vez mais se observa um multiculturalismo, mesmo dentro de cada indivíduo, o que, não sendo necessariamente uma coisa negativa, é algo que devemos sempre ter em atenção. É uma evolução que está a roubar à nossa língua aquilo que tinha de nosso.
É claro que todos nós devemos compreender que uma língua, um idioma foi feito para evoluir, mudar, ajudar a criar uma identidade nacional que se funde com a existência internacional e que, por ser língua viva, está sempre em constante mudança. Durante os últimos séculos, fomos donos do nosso ser e, na atualidade, os estrangeirismos exagerados vieram alterar a nossa condição de portugueses. Eu nasci neste Portugal que é tão nosso quando foi, sou portuguesa e falo português, mas já não reconheço a língua que consegue explicar o que é a saudade. Esta língua já não é minha, se durante tanto tempo os poetas escreveram coleccionar, percepcionar e assumpções, e agora nos vemos obrigados a falar de coleções, perceções e assunções, como se um tempo incontável de uma língua estivesse errado, como se outro país nos desse uma identidade que nós próprios lhe demos há tanto tempo atrás.
 
Depois de tudo isto, entristece-me saber que as próximas gerações não conhecerão a língua dos poetas, a língua desconhecida de um mundo amplo que nunca a chegou a compreender como nós portugueses e que, ainda assim, se sente na obrigação de a tornar noutra. Quanto custarão 200 anos à língua portuguesa? Quem sabe como será o português?… Será português sequer?